domingo, 24 de agosto de 2008

“Deus está Morto!?” - Soneto Espírita

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I


A negativa em crer em Deus na sua essência
É o recurso de um homem amedrontado:
Cabe-lhe a dúvida, como a prova de ditado,
E um cabeçalho inscrito o nome da ciência.

O bicho acuado justifica a bala ao papa
E, nela, espelha a luta errada contra o erro;
Toma o delírio do ferido e a fé lhe escapa,
Porque lhe afronta a salvação pelo desterro.

Busca o canhestro apresentar sua ira a Deus,
Porque supõe que o homem estreita a confiança
E toma santos a ilibar os desejos seus;

E, o mesmo homem que esse deus tangível mata
Concebe a vida em sua dúbia reentrância
E sem notar propaga Deus na forma inata.



II


Reza o ateu, à sua forma, num terço cético
De que os males que nos tomam a causa é Deus.
Por isso, aceita a revolta de Sam Harris, o ateu,
Na inteligência artificial que agrada o herético.

Porque se o homem matou Deus, quero o atestado
De óbito, como ação de morte-inconteste;
E a causa, a arma, o local, a hora e o estado;
Se foi veneno, foi descrença ou mal da peste!?;

Se Ele sangra e quem lhe sangra quero vê-lo
O ímpio às mãos sujas de sangue e sabê-lo
Como pode matar o Ser que a si não existia.

O certo é que todo deitricida tem mais fé,
Que eu – que Deus nem o cogito que Não É,
Pois passa a vida a renegar o que lhe agonia.


(F.N.A)

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

"Velha Manjedoura" - Soneto Espírita

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"Velha Manjedoura"



À minha filha Emanuelle



Por não sentir a dor do parto na virilha,
Por não sentir a fome exausta pelo peito
É que um pai cogita à sombra esse preceito:
Todo Amor é muito pouco à sua filha.

É mais amar, que a própria mãe, o amor que brilha
E disputar por seus carinhos de confeito;
É ansiar saber suas dores, bem sem jeito,
Do que a vida lhe prepara como trilha.

Somente um pai, ante o infecundo de seu ventre,
Cultiva aos olhos todo zelo e todo apego
Por um bebê que ora crescido mais não adentre,

Por entre o braço protetor de seu sossego
Que, tanto um dia, embalou-a no alpendre,
E hoje é só uma manjedoura sem aconchego.



(Fredson N. Aguiar)

"Pajelança" - Soneto Daimista

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"Pajelança"



À meu amigo Jean e à Tupinambá



Dessas almas encarnadas que exorcizo
Com silêncios reclusivos do que sou,
Fica um traço descarnado de granizo
De um demônio congelado que restou.

E a tristeza que me invade na aldeia,
Enche o teto espectral da minha oca
Com antepassados escorados na candeia –
Almas piladas junto aos grãos de tapioca.

É quando a mata estrala a copa e as raízes,
Que um estrondo inominável na vereda,
Vai emurchecendo outros Seres infelizes.

E entorpecido pelo canto da floresta,
Cambaleando na hipnose da água azeda,
Transmigro a alma de xamã à tua festa.



(Fredson N. Aguiar)

"Autofagia (alguém me ouve?)"

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“Autofagia”



I


Eu sou a alma de um cachorro abandonado
Pelo meu dono, pela rua e a carrocinha;
E já não sei se há uma dor maior que a minha
Que justifique andar na vida a maus bocados.

Daí, eu vou, na condição do cão cansado,
Que tem azar inigualável e bem murrinha,
Chorar minha auto-piedade comezinha,
Sentindo pena de meus ares de entrevado.

Abandonado em meus latidos de lamúria,
Uivo pro luar, uivo pras almas e pras ruas,
Porque meu lar de mansidão é a penúria,

Dessa que cobre cães benzidos pelas chagas
E não há Lázaro que minhas costelas nuas,
Tenha bondade de curar-me dessas mágoas.



II


Porque até Lázaro recheado de suas dores,
Por esta vida foi mais forte – engano meu? –
Que eu, mirando a autofagia do meu Eu,
Na condição inadequada dos temores.

Porque ainda ando a chorar essa ausência
De mansidão, de amor e paz e de martírio –
Nada que um cão que nada solto pelo rio
Possa transpor de uma beira à paciência.

Ando a comer, numa tigela de vazios,
A esperança nutritiva desses ossos
E os bacilos mais infectos e sombrios;

Alimentado de tristeza; um vira-lata,
Que passa a custo estes dias tenebrosos,
Feito um animal expulso a tiro pela mata.



(Fredson N. Aguiar)

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

"Meu Bom Levi" - Soneto Daimista

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“Meu bom Levi”



Uma conta cobrada em sessão



A chaga de menino que causei,
Perdida entre mim e mesmo em mim,
Pulou pela goela e me afoguei
E o cuspe que sorvi... veneno, assim.

“Depois de vinte anos, regressei,
Porque a conta aberta era sem fim” –
Foi quem – quando moleque – magoei,
Voltou para cobrá-la junto a mim.

Orgulho – ingrato pai dos afogados –
Não resta quem lhe tome como bóia
Ao mar por onde nadam naufragados;

Mas só me coube um gole, um, somente,
Pra mão eu estendê-la além da bóia
À busca de salvar-me em mar doente.




(Fredson N. Aguiar)

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

"Seara de Arbusto" - Soneto Espírita

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"Seara de Arbusto"



Nenhum modelo a ser seguido pelo mundo
(Por este ou outro que o Universo desconheça),
É que serei, caso o tratado permaneça,
Assimilado pelo arado mais fecundo.

Pois a semente que eu sou, o Pai não planta –
Seca, estéril e atrofiada pelo broto.
Assim, um pobre de espírito bem roto,
Como eu, recusa o húmus santo da mão santa.

O Pai escolhe na seara de sua messe,
Em quais videiras uvas cheias de doçura
Adoçarão o vinho novo da quermesse;

Mas, faz também a sua escolha de vetusto,
Pois há sementes que só nascem em terra dura
E vem ao mundo pra viver como arbusto.



(Fredson N. Aguiar)

"Epicentro" - Soneto Espírita

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"Epicentro"



Minha harmonia é diverso epicentro
Dessas tragédias geológicas da esfera –
A propulsão com que o gêiser cospe a serra
É a mansidão do meu espírito por dentro;

O caos revolto em tsunamis de cimento
É o coração que sepultei no Mar de Ross;
E o tremor, na escala Richter, vem após,
Pra desbastar as colunatas que sustento.

O Instituto Anti-Tragédias que disponho
É o papel, é uma caneta e um cigarro
E todo o crânio liquefeito de neurônio;

E só terei a vã calmaria da geosfera,
Quando o Pai puxar a clava do anteparo,
E desprender-me, eternamente, dessa Terra.



(Fredson N. Aguiar)